sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sãos




Sã é a alma que levita
em tua turbulenta atmosfera;
sopro de impurezas que, sem força,
atinge o rosto-escudo de quem o absorve e,
com deleite, transforma toda agressão em prazer.

Sã é a tua vista, tão rara; quase uma conquista
em meio a arranha-céus, breus, véus de paisagem,
mosaicos, recortes, metais, papéis, réus-pedestres
surfando em tuas desgastadas faixas, selvagens
calçadas - ora secas, ora molhadas, sempre sujas.

Sempre tuas foram essas sãs personas, insistentes;
combatentes do dia-a-dia, e que ainda arrumam tempo
na covardia das horas vencidas, vendidas a preço
de casca de banana; insana forma de comércio da força
que tens de sobra p'ra dar, inspirar, transpirar.

Díficil é não pirar no teu dinamismo; não jogar fora
todo altruismo que resta daquela alma, antes citada,
e dela suprimir toda sanidade espiritual, toda textura
original. Tua pujança não é p'ra qualquer um; é p'ra
quem - como o José, o Antônio, a Paula - tem a mente sã.


***

Nossos encontros sempre foram casuais, apesar de termos um compromisso sério há anos, nos encontramos apenas em alguns fins de semana. Um sábado a noite estava andando pela Augusta e me deparei com ela, linda ali, vimos projeções em velhos prédios que ela conhece tão bem, esperei e ela me contou a história deles, de cada um.

Um dia também nos encontramos, era uma sexta-feira, fim de expediente, já não aguentava mais esperar para revê-la e fomos assistir a um filme juntas, numa sala de cinema quase vazia. Depois ainda escolhemos alguns livros para ler numa livraria ali do centro, livros de todas as línguas – ela sabe todas. Sabe falar qualquer coisa, em qualquer idioma. E por vezes também é muda, calada.

Numa tarde no parque Vila Lobos estávamos nós, caladas, as duas. Ouvindo um magnifico som que gentilmente foi colocado ali, especialmente para o nosso encontro. Ela me surpreende sempre, me levando para lugares que eu nunca conheci, cantos que nunca foram descobertos antes. Essa pelo menos é a impressão que tenho.

Cada vez mais percebo que chegou a hora de conhece-la melhor, decobri-la aos poucos, a cada dia, a cada esquina e cruzamento. Ela vai pegar na minha mão e vamos juntas buscar o que ela tem para me oferecer, para me mostrar, até ficar completamente nua na minha frente. Ela que tem tantas mascaras que carregam tantos segredos. Difícil saber sua verdadeira identidade.

Há algum tempo me mostrou o pôr-do-sol num domingo colorido, e a noite estávamos juntas num evento mágico, meus amigos, ela e eu – sendo ela a atração principal, como sempre é nos momentos em que se mostra inteira, complexa, sem tanta fumaça e ruídos desnecessários.

Crescemos juntas, eu, apenas uma pequena e insignificante parte de sua história, ela, dentro de mim como o sangue que corre nas minhas veias, e eu correndo sempre nas veias dela, com pressa, com frio, com sono, com pavor de perder a minha vida.

Chega mais perto a hora de estarmos juntas, apenas nós duas, silenciosas, descobrindo segredos que ninguém mais saberá,confidenciaremos num sussurro nossos mais belos poemas, como ela faz e fez com outros também. Não se pode dizer que seja fiel, ou que acredite em coisas tão temporais como a monogamia.

Andaremos juntas, cantaremos juntas. E eu aqui, mal posso esperar para abrir a porta e encontrá-la, minha querida São Paulo. Em muito breve serei sua, somente sua.