sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Nada faz sentido


No meio dessa névoa escura, a água vem e vai. de um lado para outro, resistindo a sair, machucando os meus ouvidos e pressionando todos os sons para dentro de mim. De repente, nada mais faz sentido, e as palavras não passam de simples tentativas, já frustadas antes de serem pronunciadas. Nada faz sentido nesta cidade vazia de apelos. Este prefeito já farto de tudo, explodindo a delinquencia de si mesmo contra seus próprios preconceitos, levando para longe toda a capacidade de compreensão dessa pobre populaçao que não lê nada que preste e não escuta absolutamente nada, apenas ouve. Ouve um bocado de abobrinha vindo da boca de um governador xuxu, uma musica azeda composta por vereadores cabaços. Nada, se possível, faça-se possivel. Nos muros alguém pede algum amor, porra. Porra! Amor? A gente precisa de ódio, de ódio corrente, ódio quebrado, ódio misturado e dividido entre todos nós. O maior ódio per capita desse país, desse mundo! ÓDIO minha gente. Ódio misturado com indignação é o que tenho por esta cidade, que já não me escuta, que já não dialoga, que chega com armas, com choque, com cacetete pra qualquer merda numa esquina vazia cheia de...pedras. 

Chega de amor. Chega de compreensão. São Paulo precisa de mais ódio para (sobre)viver. 


Revolver


Tu sabes o que quer? Tu
navegas em leitos morosos;
fazes moradia do oposto
de tudo o que projetaste
como oficial eleito gosto.

Agarras o fio da meada
com afiados unhas e dentes;
te fazes presente na fração
temporal do fim da pupila
ocular camuflada em lentes.

Tu és tão ordinária quanto
o que rejeitas de quem 
te cerca; é temporário
teu libertário ímpeto 
e conforta-te a reclusão.

Repressão é a tua magna lei:
são todos passageiros, os fatos,
retratos, contatos, relatos -
arquivos mortos de uma progressão
sem final.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Não me defendo mais
de ti; quero tua fumaça,
tuas vias molhadas, 
escorregadias; são estas
que, agora, ataco
possuído de fúria-volúpia,
quase em movimento
obsceno e auto-destrutivo.

Teus céus não me ofendem mais; 
arranham-me, instigam 
meu desejo de cura através da pura 
sede de brinde, charme, 
loucura; e teus caminhos acabam
por me levar à razão 
de existir; amá-la, gozar, sorrir.

É instintivo o ato
de fugir de tuas inúteis
retas, cheias
de fúteis seres enjaulados
sobre rodas; assim
como, é fato,
o alívio é entregar-me 
a [delas-minhas] nuas curvas.

Teu caos glorifica a míngua-
-conquista; beatifica as simples 
saídas; quantifica as vindas e idas
e ratifica a ideia 
de que tudo o que, frente a ti, 
mantém-se firme e livre,
é bom, ativo, sublime e vitalício.




Se me defendo agora é apenas de mim, que em suas ruas tortas e sem sentido me fazem pequena e vazia. Sua chuva ácida se desfaz em mim, destruindo o ultimo rastro de neutralidade em minha vida. Deixo que me leve em enxurrada, descendo íngremes ruas, passando debaixo de imundos viadutos com seu cheiro acre. E torço apenas, entre um farol e outro, que você já não exista em mim, que eu tenha te largado na última esquina que nos cruzamos, que a rua que sigo me leve para longe de você. Para não mais te desejar como ultimo recurso de proteção, como a quem pede a Judas segurança. Como quem espera qualquer segurança. 

Quando chego ao seu fim, esqueço-me de ser fraca, pois todo este caminho foi traçado para mim. Se em ti não estivesse, talvez a existência não seria possível. Dentro de tuas mentiras e de toda essa força disfarçada de concreto encontro também a minha pujança de seguir todo dia, como uma gigante que atravessa suas muralhas, como se já não as tivesse apenas dentro de mim - me acompanhas na batalha de todo dia, pois sou fraca também, e forte como concreto.

terça-feira, 1 de março de 2011

New wave.

Teu ar é new wave;
por artificiais motivos
protecionistas, ativistas
da segregação social fundam
uma nova onda de mútua agressão
natural e, sem claro objetivo,
esquivam-se das leis-dos-bons-homens
e engrossam o coro das ordens do patrão.

É artificial o concreto de tuas vias;
nenhuma afinidade sobrou com as águas
que te banham em excesso - os progressos
milímetros são combustível para a explosão
de buzinas embarcadas em teus leitos pluviais
de bueiros violados, entupidos de ignorância.

Teus navegantes são covardes-cidadãos, destemidos
enganados, traídos vassalos da divina redenção,
da fé sem razão em quem nunca deu solução
a essa enchente de básicas necessidades.



Já sem poder prever os percursos para finalmente conseguir alcançar sua casa, havia investido suas economias num possante carro-anfibio, novidade no último Salão Contemporâneo de Inovações Urbanas. Junto com a mobilidade recém-adquirida levava também um guarda-roupa, escova de dente, pente, canetas, lápis, internet sem fio, televisão, sua coleção de DVDs e alguns livros. Seu Ipad havia comprado enquanto preso dentro de um shopping cujas saídas estavam interditadas devido à última enchente. Era assim a sua rotina nos meses de verão: de tempos em tempos conseguia chegar à sua antiga casa, guiado por instrumentos fluviais; enquanto isso, trabalhava. Mesmo com toda a tecnologia disponível, por vezes os temporais cortavam o sinal da internet e do telefone, transformando seu dia já vazio em uma ilha de solidão. Consolava-se ao ler as revistas que contavam histórias similares à sua, pessoas presas dentro de si mesmas, vagando por ruas alagadas, procurando suas vidas há tempos perdidas em esquinas que não podiam mais ser achadas. Sentia-se acolhido por tanta desgraça. Ouvia as buzinas ao seu redor e entendia que aquela era a comunicação que teria com o mundo, era assim que as pessoas haviam decidido se comunicar. Esperava que pudesse achar de novo o amor que um dia sentiu e que estava agora submerso junto com carros, ônibus, bicicletas, pneus, arvores e alguma solução para todo esse caos. A única opção era esperar por um longo e seco inverno durante o qual poderia desempacotar a sua bolha de umidade, estacionar seu carro-anfibio na garagem e continuar sua busca por uma civilização distante na qual poderia respirar algum ar puro e conversar alguma conversa honesta e sincera, algum lugar, enfim, no qual pudesse ser um homem novamente.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Fé(ti)da rua

Tudo penso, logo exijo
nada menos que o máximo
de mim; de ti, beato,
regozijo, incremento
minha meta mínima
de inconseqüência.

Minha fé é pulso
acelerado; é ânsia
pelo próximo segundo
de primeiro tato; mero
trato que fecho contigo:
sincero, espero que cumpras.

Pressão é tesão, espera é
desconforto social e a palavra
solta no espaço, para que ouças
de passagem, é grito-de-desespero;
meu estrangeiro de mim não reconhece-me
aqui dentro e, lá fora, é triste e estranho.

Não acompanho teu ritmo e nem quero; não
assino tuas formas, procuro ser formal
contigo; olho-te de rabo de olho
para que meu espelho não se quebre;
curo com cerveja minha febre
de não querer-te em momento algum.




E de tanto assim, esse não querer-te fez de mim apenas um ávido por nada. Um tocador de dias, esperador de lazeres. Seus afazeres e obrigações me comprometem os sonhos, pelos quais aguardo ávidamente. Desperto, procuro em outras tudo o que me falta em ti. Em outras ruas a fé que foi roubada, assaltada, seqüestrada. E encontro-a longe, tão longe de tudo o que me pede, me exige. Sem exigências, então, num simples acordar, respirar e andar posso finalmente saborear o brilho de uma lua que me convida a dormir e mergulhar num sonho distante onde é possível, finalmente, viver. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Acordo.

Anuncie que estou aqui, para os quatro cantos que te cercam. Anuncie que diferente de mim não há nada. E que me assemelho a tudo que já tenha visto. Diga a todos à sua volta que não farei nada que transgrida alguma regra que tenha imposto. Não entrarei na contra-mão e respeitarei o farol vermelho. Esperarei como todos na sua eterna fila e respirarei com prazer seu tão impuro ar.

Em troca desde acordo que fazemos peço apenas que me permita um espaço qualquer, um pedaço de tempo em que eu não precise me encaixar nas suas ruas e calçadas descascadas. Permita-me por apenas um momento não ser vista por todos os seus olhos, permita-me não te pertencer. Permita-me conseguir imaginar a vida fora das tuas veias. Por todo o resto do tempo dou-te minha palavra de não procurar respostas, não realizar desejos e nunca ser diferente.






Tua maior riqueza é a atenção. É pouca e cobiçada. Não tens tempo p'ra nada, senão rotina, funções vitais, obrigações letais. Teus dutos arteriais, vias coletoras, respiratórias, corroem-se no ácido clima de incertezas e toneladas de impurezas. Tudo o que é puro em ti, original, é disputado na faca, na briga, no voto, nos mind games. São deixados de lado teus anseios, tuas inúmeras vidas dentro de ti. Talvez, tua alma seja gêmea de todos que habitam teu grande palco-coração. Cada parte sendo ocupada de características que agradam, inspiram, ferem, decepcionam. O teu espaço nunca será só teu. E a maior sabedoria é compartilhá-lo com sabor.

Querem um pedaço teu, nem que seja minúsculo. Querem teu céu, tua fortuna, teu jardim, teus lindos filhos, teus pais e patrões, trabalhadores. Querem tua saúde: teu abstrato amor. E você só quer ser.