sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Cuidado: frágil.

O susto é o reflexo da fragilidade. O surto psicótico, a exacerbação, nua, revelada. O frágil se denuncia em argumentos igualmente insustentáveis, desestruturados, ou simplesmente na ausência deles, no silêncio. O breu é o inferno do sujeito frágil.

Fragilidade não tem sexo, nem o faz. É um estado de espírito momentâneo, sem duração pré-estabelecida, de forma que, de uma hora pra outra, pode ser pra sempre. Morrer na fragilidade é o desespero de toda alma fragilizada.

Da noite pro dia se é, ou se está. Mas, o frágil não sabe se está ou se é. Simplesmente sente, vive em tensão constante, só esperando ser alvejado pela dura realidade. E ela vem cinza-urbana; rústica, forte, resistente. À realidade da metrópole, não há espaço para frágeis. Ela suga todo o brilho minguante e pinta de cinza. Pinta o ceú, pinta as idéias, anula a criatividade para o bem. Inunda de pensamentos negativos a já inoperante mente fragilizada.

No bojo: ira sem razão, erro sem perdão, auto-traição, prazer pela dor, destruição para si, para dar e vender. Desprezo ao espiritual, desgosto ao carnal. O frágil é azedo, amargo, fechado. São antagonismos fragilidade e carisma, amizade.

O frágil é sozinho, marginal, coitado. É magoado - e aí é que está: a fragilidade desmascara a índole.




Espatifou-se no chão, quebrando-se em mil pedaços. Alguns nunca mais poderiam ser achados e por isso perdia-se um pouco de si mesmo a cada queda. Prenunciava-a e deixava-se ali, prestes a alcançar o chão, esperando o momento de ver-se em muitos, de não ser mais apenas um. Permitia-se a fraqueza de não saber. Permitia-se esperar a força de reconstruir-se, mesmo sabendo que nunca seria inteiro novamente. Permaneceria frágil, teria ainda outros momentos em que iria preferir quebrar-se, em mil, em milhões, para não ser, nem estar. Até o momento de completar-se novamente, na busca sem-fim de suas partes já há tempos perdidas e escondidas. Para seguir, já então não mais prenunciando a queda, a fim apenas de esperá-la, porque era inevitável. Cairia novamente, e assim, sucessivamente, frágil e forte. Por vezes, robusto. Porém sempre quebradiço, por ser inevitável ser humano.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mar

A idéia de mar é presente o tempo todo. De veículos, de planos de fuga, de horas mal-gastas, de despesas desnecessárias. De viagem: mergulho físico e imaginário. De fumaça de fora p'ra dentro e vice-versa.

Ondas de calor se alternam com mares de chuva cinza e danosa. O fluxo é prejudicado - de gente, palavras, olhares, paladares. A gastronomia da rotina não tem glamour; é antropofágica no pior sentido. Todos os sentidos são piores, na verdade.

Não faz sentido remar, quando o oceano parece infinito. A fé afoga a razão. E não há Poseidon que ajude a atravessar mais esse dia de ressaca moral, causada pela contínua auto-violência gratuita.




E desiste-se mais uma vez, mesmo antes de começar. Mas começar o que? Ando já sem rumo, pois me enganei novamente pensando que pudesse haver algum. Seria melhor continuar o caminho para casa, seja lá qual for. Durante o trajeto imagino que poderia estar com os pés no chão, na terra batida, talvez um pouco molhada da chuva desta manhã. Descalça sinto apenas o concreto. Frio e calculado, com calçadas que já há tempos estou acostumada a pisar.

Pouco a pouco a cidade vai se modificando. Já não é possível que se ouçam os barulhos cotidianos das buzinas e o cheiro sempre asfixiante da poluição. A cidade mudou: está verde e com suas curvas naturais. Não preciso virar a esquina delimitada, posso andar e seguir o rumo que preferir. Mas ainda sigo sem rumo e isso me incomoda profundamente. Tento então mergulhar fundo nas minhas memórias buscando o dia em que essa condição foi colocada dentro de mim. Por que não posso simplesmente ser, sem precisar necessariamente seguir um caminho definido? (mas não posso)

E então penso no mar, ah o mar! Está tão longe, mas sinto sua brisa vindo em minha direção, seu horizonte sem fim me traz a calma de que talvez não seja mesmo possível chegar a lugar nenhum e agora sei que é para lá que eu vou. Mais um pouco e estarei lá.

Olho para a imensidão azul à minha frente, com seu horizonte mais antigo do que a própria história do mundo, me convidando para explorá-lo. Ele vem até meus pés e me puxa. Empurro um pouco meu pequeno barco, dando impulso.  Carrego-o com tudo o que preciso: uma mala de incertezas, um pacote de vontades, um relógio que não marca as horas e uma bússola sem norte. As ondas mansas refletem o pouco de luz da nova manhã que chega. Esse é o meu caminho agora: meu e do mar. É certo que chegaremos em algum lugar, mesmo que seja lugar algum.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

do tempo I


O tempo urge no carro e o bate-bate das pulsações dá o ritmo do anda-e-para de tudo o que se configura importante à minha persona. Nuance hedonista? Talvez. O tempo, preciosa moeda de troca, molda a imediata razão.

O que antes trocaria fácil, hoje não troco por nada. Mal troco de roupa; mal sugo a polpa e nem mordo o fruto. Mal entro, já saio; mal levanto e já caio na rotina do minuto-a-minuto, prazer diminuto, tensão sustenida por motivos de sétima categoria à minha íntima canção de existência. Onde está a essência? Dentro dos fins-de-semana, dentro de ti, molhada de êxtase, na calada da noite, nem sempre quieta.

A dieta é racionada e pouco pensada; um pouco pesada. Não existe receita p'ra subsistir nessa selva. Nada fura o bloqueio de duras pedras, nem água mole. Tanto bate esse coração que já aprendeu a bater e apanhar. E gostar do que vê no cinza e vive no azul.
***

São 11 horas e todo o tempo já se foi. Todo o tempo que guardei no bolso já não está mais aqui. E eu achando que poderia guardá-lo em segredo. Senti-o sair de mim como uma brisa, como algo que está premeditado a ir embora, a não permanecer. Mas ele fica. Sempre está aqui. E mesmo assim passa, vai se esquivando, como se fizesse questão de não estar; faça o tempo parar? Faça até mesmo ele andar para trás? Mas andar...não, para andar é preciso que se ande para frente, numa imposição da natureza da qual nós, seres – às vezes até mesmo humanos demais – nunca iremos escapar. E o tempo, por estar submetido aos ponteiros em nossos pulsos, anda – sempre para frente, freneticamente. E por estar preso em nós, nos iludimos ao tentar controlar. Nós, que não aceitamos o passado, que não aceitamos olhar para trás, que viramos as costas e continuamos a andar. Mesmo ainda doendo; é impossível se arrepender. Por isso, andamos para frente, porque isso nos foi imposto, num tempo que não é possível mais lembrar. Andamos para frente, mesmo que seja para longe. E não ouse se importar com a dor, não ouse perceber o sofrimento. Não se engane. O tempo nunca nos daria o prazer de sua ausência. Por isso, vá sempre para longe, o tempo nunca aproxima, apenas afasta, apenas esquece. Dê tempo para esquecer, nunca para lembrar. Seja sempre a negação, dando as costas, nunca espere para ver, nunca espere. O tempo - ele sempre vai embora.