quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mar

A idéia de mar é presente o tempo todo. De veículos, de planos de fuga, de horas mal-gastas, de despesas desnecessárias. De viagem: mergulho físico e imaginário. De fumaça de fora p'ra dentro e vice-versa.

Ondas de calor se alternam com mares de chuva cinza e danosa. O fluxo é prejudicado - de gente, palavras, olhares, paladares. A gastronomia da rotina não tem glamour; é antropofágica no pior sentido. Todos os sentidos são piores, na verdade.

Não faz sentido remar, quando o oceano parece infinito. A fé afoga a razão. E não há Poseidon que ajude a atravessar mais esse dia de ressaca moral, causada pela contínua auto-violência gratuita.




E desiste-se mais uma vez, mesmo antes de começar. Mas começar o que? Ando já sem rumo, pois me enganei novamente pensando que pudesse haver algum. Seria melhor continuar o caminho para casa, seja lá qual for. Durante o trajeto imagino que poderia estar com os pés no chão, na terra batida, talvez um pouco molhada da chuva desta manhã. Descalça sinto apenas o concreto. Frio e calculado, com calçadas que já há tempos estou acostumada a pisar.

Pouco a pouco a cidade vai se modificando. Já não é possível que se ouçam os barulhos cotidianos das buzinas e o cheiro sempre asfixiante da poluição. A cidade mudou: está verde e com suas curvas naturais. Não preciso virar a esquina delimitada, posso andar e seguir o rumo que preferir. Mas ainda sigo sem rumo e isso me incomoda profundamente. Tento então mergulhar fundo nas minhas memórias buscando o dia em que essa condição foi colocada dentro de mim. Por que não posso simplesmente ser, sem precisar necessariamente seguir um caminho definido? (mas não posso)

E então penso no mar, ah o mar! Está tão longe, mas sinto sua brisa vindo em minha direção, seu horizonte sem fim me traz a calma de que talvez não seja mesmo possível chegar a lugar nenhum e agora sei que é para lá que eu vou. Mais um pouco e estarei lá.

Olho para a imensidão azul à minha frente, com seu horizonte mais antigo do que a própria história do mundo, me convidando para explorá-lo. Ele vem até meus pés e me puxa. Empurro um pouco meu pequeno barco, dando impulso.  Carrego-o com tudo o que preciso: uma mala de incertezas, um pacote de vontades, um relógio que não marca as horas e uma bússola sem norte. As ondas mansas refletem o pouco de luz da nova manhã que chega. Esse é o meu caminho agora: meu e do mar. É certo que chegaremos em algum lugar, mesmo que seja lugar algum.

Nenhum comentário:

Postar um comentário